Dia 01
Bagan foi, até agora, a melhor das surpresas aqui em Mianmar. Tá, Yangon tem monumentos marcantes, como a Shwe-da-gon e a Swe-taw-myat, mas não se compara ao conjunto que Bagan representa. Um sítio arqueológico com cerca de 2.200 monumentos, entre Templos e Pagodas. É coisa pra dedéu! Já foi cogitado como patrimônio da humanidade pela unesco, o que eu não sei ao certo porque não se concretizou, mas acho que tem a ver com a política [adjetivoquedemosntreindignação] empregada pelo governo (Oê, liberdade de expressão!), tanto quanto o estado de conservação de alguns dos templos, que foram sofrendo reformas ao longo do tempo, mais ou menos ao buda-dará.
Para não viajar às cegas e poder aproveitar ao máximo, pesquisei um pouco sobre Bagan, a história, a arquitetura, de modo que quando eu cheguei lá, tinha um idéia do que esperar. Assim como já tinha os meus templos favoritos a visitar, cronologicamente, meu mapinha estava repleto de marcações e com um planejamento completo. Claro que quando cheguei lá, descobri que Bagan estava muito além das minhas expectativas, para parafrasear o slogan da AirBagan: “flying beyond expectations”. O que, aliás, se aplica perfeitamente à companhia aérea, porque quando se vê aquele avião, você reza pra que ao menos ele consiga andar, vê-lo voando realmente está além de qualquer expectativa!
No aeroporto de Yangon parecia que tínhamos voltado uns 50 anos no tempo, as partidas eram anunciadas por um carinha com uma placa na mão e gritando. Não é coisa nem de rodoviária de interior. Nos surpreendemos com a quantidade de pessoas no trânsito doméstico. Muitos turistas ocidentais, inclusive. Maior parte de europeus.
O hotel era muito bacaninha, tipo Resort, ficamos em um chalé, chamado de Jasmine Vila, cuidadosamente escolhido por moi, com perfeita vista igualmente para o lago e para a piscina (cof, cof). Piscina esta que muito cedo conheceu os meus trajes mais íntimos, porque a super-planejada aqui esqueceu de levar biquíni (e provavelmente a vergonha na cara... dando pra notar que os meus recatos do começo em relação aos costumes já foram pro beleleu, escangalhei à brasileira feliz da vida, com o apoio indispensável de Iran).
Na maior empolgação de mochileiros, a primeira coisa que fizemos foi pegar bicicletas no hotel para visitarmos os nossos primeiros templos, que não estavam no roteiro, mas ficavam lá perto. Qual o que? A pessoa que vos fala não andava de bicicleta há uns 10 anos, a bicicleta pesava uns 10 quilos, sem contar que minhas habilidades nunca foram de medalhista. Iran lá, todo serelepe na minha frente, sem nem olhar pra mim, só podia dar numa coisa: queda! Desgovernada, subi num morrinho de terra (uma coisa de uns 15cm de altura), a roda da bicicleta tchum pro lado, e eu potof pro outro, na areia fofa, escaldante, com o joelho no pedal. Muito legal. Sem contar que minha bunda até hoje ainda tá doendo. Sim, porque selim não foi feito pra sentar não, aquilo é instrumento de tortura.
Como recompensa, e nada bom vem de graça, os nossos primeiros templos já foram experiências maravilhosas. A começar pelo senhor que nos serviu de guia, morava numa casinha do lado desse grupo de pequenos templos do século 12 e prestava serviço para o estado, como era o dia dele de folga, ele estava por ali e nos mostrou o lugar, contando um pouco da história. Os templos estavam mais conservados do que muitos do circuito principal de monumentos. Havia muitos afrescos contando trechos da vida de Buda, e seres míticos, uma pequena amostra do que estava por vir nos próximos. Esse pequeno senhor, com aparentemente muita consciência de conservação, sempre nos dizia as partes do templo que eram originais e as que foram alteradas e guardava, como podia, os pedaços de alvenaria que se desprendiam do teto e das paredes. Morrendo de rir nos mostrou um que ele guardava escondido sob a imagem do Buda. O velho era um fofo! Só não o botei no bolso e levei pra casa porque a inhaquinha de suvaco não deixou. Hihihi
Falando em cheiros, quase todos os templos tinham muitos morcegos, e por isso, muito xixi de morcego. O que me fez lembrar dos tempos de estágio do IPHAN, e das capelas dos engenhos de cana do século XVI. Vida de bóia fria, ê vida boua!
O clima de Bagan é fantástico: quente e seco. Parece em tudo e por tudo com o clima do Cariri Paraibano. Durante nossa estadia lá, teve alta de 40C. Depois dessa aventura, desafiando os limites do meu corpo ao sol, eu só tinha pensamentos de morte. Tinha a nítida sensação de que não ia sobreviver àquele lugar, à medida que minhas narinas ardiam enquanto eu inspirava. [pausa drmática] A nuvem de morte se dissipou depois do banho de piscina (de calcinha, já falei?) dos litros de coca-cola tailandesa ingeridos e do buxo forrado com camarão gigante. Sou uma sobrevivente!
A coragem só nos deixou sair do quarto depois das 4 da tarde, o que nos deu ainda 3hs de sol (aqui o sol se põe umas 19hs) para explorar o circuito principal e acabar o nosso primeiro dia no por do sol à margem do rio Irrawady, dentro dos muro milenar (Tharabar Gate) da Old Bagan.
Pegamos o carro do hotel até lá e visitamos o Ananda (D.C. 1060), um dos templos mais fantásticos, de estilo arquitetônico mais antigo, riquíssimo em detalhes. O que mais encanta no Ananda é que, a despeito da época da sua construção, onde os templos eram mais horizontais, robustos, pesados e escuros, o Ananda é leve e delicado, minuciosamente detalhado. Uma obra de arte e arquitetura realmente emocionante.
A maior parte dos templos consiste em uma planta quadrada, inteiramente simétrica, com uma parte sólida ao centro (onde, segundo a crença, ficam guardadas as relíquias de Buda, tais como, fios de cabelos e dentes), cercada por um corredor interno e outro externo, interconectados por passagens em arcos ogivais. Possuem geralmente quatro acessos, nos quatro pontos cardinais, sendo um principal, normalmente o oeste. De frente aos acessos ficam nichos com imagens de Buda, às vezes de pé, às vezes sentado, ou reclinado – a posição do nirvana. Ao longo dos corredores estão dispostos afrescos que contam histórias sobre o Budismo Theravada. Pequenas aberturas iluminam minimamente os templos, a maioria estrategicamente colocadas para que as estátuas dos Budas recebam luz direta. O que contribui para a sensação de sublime e sobrenatural. (Ufa! Encharquei vocês de informação inútil? Tô nem aí!)
Ao longo do caminho, muita gente nos aborda para puxar assunto, quando menos se espera, essa pessoa vira sua guia e lhe pede dinheiro ao final do “papo”. Pegadinha do malandro! Ora, se nós dispensamos um tempão estudando os templos antes de ir, pra justamente ter liberdade de não ficar acoplado em ninguém. Justiça seja feita, exatamente nesse templo, um rapaz nos chamou atenção pra um detalhe que poderia ter passado despercebido, e que é uma das coisas mais bacanas.
No Ananda, existem as quatro enormes imagens de Budas de pé, nos quatro pontos cardinais, duas delas são originais e outras duas foram reconstituídas. As duas originais foram esculpidas de tal modo que de perto da estátua o semblante do Buda é fechado, sério, mas à medida que você se distancia dele, começa a surgir um sorrisinho incrível, bem sem-vergonha. E você se contagia e acaba sorrindo com ele. O mais legal é que as outras duas estátuas, as que foram reconstruídas, não conseguiram os mesmo efeito. No budismo, Ananda é um estado de mente que quer dizer êxtase ou felicidade suprema.
Saindo de lá, pegamos uma charrete até a Buhpaya Pagoda, onde Bu = cabaça, Hpaya = Senhor. A lenda diz que o rei Pyusawdi construiu essa pagoda para comemorar um grande feito, que foi ter se livrado de todas as "cabaças" da região... ficando assim conhecido como "Pyusawdi, o descabaçador".
Buhpaya fica sobre um morro perto do rio, onde vimos o pôr-do-sol mais lindo desse mundo. Parecia que o seu estava pegando fogo. Lindo de morrer. Iran ficou no pé do morro, negociando com um artista, que como todos os outros, dizia que sua obra era única e rara. A coisa que Iran mais gosta aqui é de pechinchar com os locais. E o povo é bom de pechincha. Mas ninguém bate Iran. O cara abateu quase 50% do preço. É um dom!
Pegamos um carro de volta pro hotel, jantamos e ficamos nus ao sereno, na nossa varandinha ouvindo Beatles até doer. (Iran está me alfabetizando em Beatles) How lucky am I? =}
Dia 02
Havíamos combinado com o cara da charrete para estarmos às 8hs no Tharabar Gate. Eu tive o sonho profético de que chegaríamos uma hora atrasados. E assim aconteceu. A sorte é que como é baixa estação, o carinha ainda estava lá. Andar de charrete era uma coisa que não podíamos deixar de fazer, sacolejar de costas pelo terreno fofo e pedregoso. O motorista era muito engraçado, falava um inglês tão bonzinho que às vezes não sabíamos se ele falava com a gente ou com o cavalo. Ficar andando de costas me deu a sensação de que eu estava sempre vendo tudo atrasada. Agonia.
Fizemos nossa visita pela manhã aos templos externos ao muro, os templos mais recentes, do final do século XII e início do XIII, Sulamani, Dammhayangyi, Thatbyinnyu, Htilominlo e Mahabodhi. Todos no mesmo estilo, exceto pelo Mahabodhi, que se destaca de todos os outros, porque teve influência direta de um templo indiano de mesmo nome, que fica na Índia, no lugar exato onde o Buda Gautama (Sidarta) atingiu a iluminação. Foi no Mahabodhi que uma moça me deu “presenteou” com Tanakha, que é o extrato de uma planta (como uma macaxeira) que as mulheres misturam à agua e passam no rosto para resfriar e proteger do sol. Mesmo sem querer acreditar na bondade dela, que dizia “no money, no money”, eu achei aquilo uma benção, com o calor que tava.
Antes de visitar os templos que eu falei acima, que são os mais populares, o charreteiro nos levou pra um templo menor e pouco conhecido, onde pudemos subir por uma escadinha embutida na parede (o que tem em todos os templos, só que como na maioria dos templos famosos isso fica fechado, ele nos levou pra ver esse). Tivemos uma visão bem legal dos outros templos próximos, e eu pude testar o meu medo de altura. Deu pra subir até o topo! o/
Dos visitados, O Sulamani e o Htilominlo encontram-se em estado razoável de conservação. Os dois são representantes de um estilo que priorizava a verticalização, em aproximação com o divino, quando já era possível erguer templos com vários pavimentos.
O Sulamani é o que possui as pinturas mais nítidas, painéis que vão de um lado a outro dos longos corredores e contam histórias sobre o budismo. Nesse templo havia grades e sinalizações de proteção para evitar maiores danos. Se bem que não são os turistas que danificam, e sim as reformas “benéficas” que são realizadas, muito provavelmente, pelo governo.
Em termos de conservação e originalidade, o Thatbyinnyu foi, de longe, a maior decepção. Constava nos livros como um dos mais esplendorosos templos, o que realmente é, por fora, não se nota o estrago que foi feito. O interior do templo não tem mais nenhuma pintura, as paredes estão todas rebocadas, pintadas de branco e o piso coberto em cerâmica. Simplesmente brochante. Dá vontade de trucidar a criatura que fez um negócio desses com uma coisa tão rica.
Dammhayanghi é o templo que tem uma das histórias mais envolventes. Uma das versões diz que o rei que o construiu foi assassinado pelo próprio filho e por esse motivo, ele não foi concluído. Falta nele a sucessão de terraços planos, a stupa e a umbrela, que existem nos outros templos da mesma época e determinam suas alturas. Apesar disso, Dammhayanghi tem uma presença bastante expressiva, realmente monumental. O rei que o idealizou era bastante perfeccionista e dizem que ele mandava amputar a mão dos trabalhadores que não atingiam os seus níveis de exigência... botei Iran pra colocar o braço lá, só pra ele sentir o drama. Rum! Comigo é assim! O bastardinho real (galera, Iran não é filho de rei, claro que estou falando do outro), ainda por cima, mandou soterrar três dos nichos, deixando apenas um. Iran ficou particularmente tocado por esse templo, principalmente depois que descobriu uma escadinha (igual a primeira que subimos) que levava a uma janela superior, de onde se via todo o terreno do templo (o Dammhayanghi é murado). Por um livro que compramos em Bagan, descobrimos que tem como acessar a parte central por aí. Nossa próxima visita a Bagan promete aventuras a la Indiana (o Jones).
Com esses templos todos, consumimos nossa manhã. Almoçamos num restaurante local, o mais tipicamente miamarense que nos arriscamos até agora, meio beira de estrada e muuuito bom. Depois disso, os animais ficaram pastando na sombra de um templo, enquanto esperavam o charreteiro voltar com o cavalo. Pense numa sombra boa! O melhor cochilo pós-almoço que eu já tirei!
Quando a charrete chegou, começou a chover e como o cavalo era fresco, não podia levar chuva. Ainda faltavam uns tantos templos a ver, mas resolvemos interromper o passeio e voltar pro hotel. Na ida pro hotel, paramos na Shwezigon Pagoda, parecida com a Shwedagon, mas menor. Para chegar na pagoda passamos por um corredor enorme, com muitas vendinhas (como em várias outras pagodas). Lá encontramos as vendedoras mais amáveis, que nos davam “presentes” quando passamos, uns broches e borboletinhas de papel, dizendo “lembre que fui EU que lhe dei isso”. E todas acabaram dando. Na volta, a surpresa, cada uma delas cobrando que comprássemos na sua venda. Uma delas cresceu pra cima de mim e disse: “E cadê minha borboleta?”. E eu: “Oxe, fela, e tu não disse que era presente?”. Vaca. Tão vendo aí?
No próximo final de semana, teremos um feriado prolongado a partir de amanhã e voltaremos a Bagan, além de ir a Pyin OO Lwin (uma cidade próxima das montanhas, de clima frio).
Vou parar por aqui, porque Iran tem que postar isso da embaixada agora!!
Porque se não só postamos quando voltarmos da viagem, na quarta! Hehehe
Eu ia postar as fotos também, mas quem quiser, vê no facebook, adiós!