sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Las noches calientes

Há algum tempo havíamos descoberto por acaso um clude de dança chamado HOLA! Fiquei muito curiosa e animada pela possibilidade de podermos dançar (ou qualquer coisa parecida) e socializar com pessoas de nacionalidades diferentes da nossa e de nossos hospedeiros. Por um instante eu pensei que era coisa do destino ter aparecido aquele clube de música latina na nossa frente. Imaginei que ao menos encontraríamos um argentino com quem trocar uns tapas, enfim, alguém do nosso lado do meridiano!

Chegando lá, o senhor Claudia Lin (sim, é homem mesmo) nos apresentou o lugar, que era um misto de escola de dança, clube noturno, bar, sala de recepções, em resumo, eles faziam de tudo. Era uma casa de primeiro andar, estilo inglês, muito bonita e o bar parecia bem decente. Novamente nos animamos por termos encontrado uma coisa tão diferente do que normalmente vemos por aqui. O Claudia (WTF!) nos informou que os professores filipinos davam aulas diárias e, além disso, haviam os bailies às sextas-feiras. Nós decidimos que voltaríamos para um dos bailes, "em alguma sexta-feira dessas". Ah, sim, ninguém leu errado, os professores são filipinos. E sim, eles ensinam dança latina. Algum problema? Em terra de cego...

A tal sexta-feira demorou meses pra chegar, acho que alguém as cortou do nosso calendário, porque acontecia de tudo e a gente não dava as caras nesse lugar. Esse é o momento em que eu não quero (mas vou) dizer que a culpa na verdade foi sempre de Iran, que estava indisposto para mostrar o seu talento de master of the dance e arrumava as melhores desculpas que eu ja vi alguém arrumar. Eu, muito difícil de ser convencida, caía nas mais bem boladas e acatava as mais escancaradas e batidas. Alguns exemplos... a clássica, porém irrefutável: "Tô com dor de barriga."; a escancarada: "Tem um filme ótimo passando na tv!" - "Qual?" - "Sexta-feira 13, Jason vai para o inferno". Ainda teve: "Nossa, mas o filme de hoje é muito bom mesmo!" - "Ta, qual?" - "Sexta-feira 13, o capítulo final".

Mas numa sexta-feira (esta: 12-08-2011) nós conseguimos ir. O baile começava às 21hs e nós chegamos por volta das 21:30. Como o lugar fica numa rua um pouco esquisita, combinamos com o taxista que nos pegasse de volta à meia-noite (Iran já queria que fosse às 22:30, mas eu insisti).

No primeiro andar, no salçao de dança, estavam as pessoas; a saber: um grupo de três mulheres e uma outra mesa com os dançarinos do próprio clube. Detalhe: ninguém dançava. "Ok, as pessoas ainda vão chegar". Um casal de dançarinos se levantou e começou a dançar, a música era alguma coisa eltrônicobregacalypsosalsa. E a performance dos dançarinos era tão espalhafatosa que impedia mais de um casal na pista, pra evitar que eles se batessem. O lugar inteiro piscava insandecidamente. A essa altura, Iran, que já tinha previsto todo o cenário, se contorcia de agonia (e provavelmente de arrependimento por não ter resistido à mais uma investida minha). Um olho dele me dizia: "Eu não falei?" e o outro, soltando faíscas: "Você me paga!"

Como esperado, o casal de dançarinos nos chamou pra dançar. O que recusamos, gentilmente. Um dj soltava as músicas, alternando com uma banda. O cantor da banda, tinha uma voz parecida com a do Barry White, realmente sedutora. Uma hora ele falou, só pra nos enganar: "Agora vamos tocar uma bossa nova!". A gente se animou todo, pra ouvir o que parecia ser um bolero raga-tanga. Iran deu um tiro no ouvido e eu cometi araquiri.

Para nossa felicidade, veio ao socorro o super-herói do tédio: o álcool. Depois de uma cervejinha Tiger (cingapuriana), uma heineken e uma margarita a nossa resistência aumentou. Mesmo assim, ainda não entendíamos porque o destino havia nos jogado naquela armadilha, da qual só seríamos resgatados à meia-noite!

A resposta veio na próxima música: do nada, começamos a ouvir alguma coisa em português, e era: "Bate forte o tambor, eu quero é tique-tique-tique-tique-tá!". Nessa hora, minha gente, eu entendi o real motivo. Entendi porque Deus quis que estívessemos ali, naquele sublime momento. Que passássemos por aquela árdua provação. Ele queria que eu me mijasse de rir.

Depois de recuperados das gargalhadas, pegamos outro taxi na rua e fomos pra casa (por volta das 22:30, como tinha profetizado Iran).

Para quem não lembra do memorável hit do Amazonas:

Bate forte o tambor

Eu quero tic, tic, tic, tic tac

Bate forte o tambor

Eu quero tic, tic, tic, tic ta

É nessa dança que meu boi balança

E o povão de fora vem para brincar

Sim, a banda Carrapicho, com as suas dançarinas de top de coquinho, chegaram do outro lado do mundo! E o infeliz não sabia o que era bossa nova! Aí não tem quem aguente! Vou botar a segunda parte, porque é realmente tocante, chorei:

As barrancas de terras caídas

Faz barrento o nosso rio-mar

As barrancas de terras caídas

Faz barrento o nosso rio-mar

Amazonas, rio da minha vida

Imagem tão linda que meu Deus criou

Fez o céu, a mata e a terra

Uniu os caboclos construiu o amor

Fez o céu, a mata e a terra

Uniu os caboclos

Construiu o amor

Brinca meu povo.

Wikipedia explica tudo, olhaí:

"Em 1996, um produtor francês, Patrick Bruel, ouviu a toada Tic, Tic Tac na versão do grupo e decidiu lançá-la na França, tornando-se um dos maiores sucessos na Europa e no mundo."

Obrigada, Patrick Bruel! É isso aí, "Brinca, meu povo!"








Aí está o meu pesadelo das sextas-feiras. Não o Jason.

Para Carrapicho, desambiguação







Prefiro esse.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Crônicas Bangkokianas: Bangkok, a depravada.

Antes de tudo, vale comentar a comédia que passamos antes des sairmos do Sedona, em Yangon. Estávamos com a conta atrasada, e eles simplesmente não queriam nos deixar sair, os dois, com uma malona do tamanho do mundo (estávamos levando uma mala grande, pra trazer algumas coisas da embaixada).

-Não, mas a gente volta na terça-feira e paga tudo!

-An-ham, Cláudia, senta lá. Vocês não podem ligar pra alguém da embaixada pra que eles venham pagar?

-Minha senhora (o nome dela é Pyu Pyu), hoje é sábado! Não tem ninguém lá. Eles vem pagar na segunda, então. Pode ser? Vocês têm o número da embaixada brasileira aí?

-Aaaaaah, temos. (E foi catar o número). Aqui, pode ligar.

-Não, esfria o pyu pyu, eu já falei que não tem ninguém lá hoje. O número era para vocês ligarem na segunda!

O tempo passando nessa lenga-lenga, e o horário do voo se aproximando... Por fim, tivemos que pagar com o dinheiro que levávamos pra usar em bangkok pra que eles finalmente nos liberassem. Chegamos a tempo ao aeroporto; o voo é rapidinho, dura 45 minutos, mas por causa da diferença de horário (que é de meia hora), na ida a gente gasta 1h25m, e na volta apenas 15m.

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Agora sim, garotinhas e garotinhos, Myanmar não é pra qualquer um. Mas eu mal tinha me dado conta disso até sair daqui. Longe de mim querer cuspir no prato, mas depois de Bangkok, Yangon ficou muito mais lenta. Eu não percebia como dava valor às pequenas facilidades da vida moderna. Quem me conhece já me ouviu dizer como eu odeio shopping center e etc e tal. Eis que, chegando em Bangkok, a única coisa que fizemos foi andar em shopping, com lágrimas nos olhos cada vez que via um McDonalds.

A prova de que eu estava muito bem adaptada ao meu habitat provinciano é que eu cheguei em Bangkok e me assustei. Tudo bem que eu sou uma menina de cidade pequena. Mas, espremida na multidão nos shoppings, no metrô, a primeira sensação foi de pânico. Eu olhei pro lado e, pasmem, duas pessoas se beijando! Em público! Na boca! Fiquei chocada. Na vidinha calma de Yangon isso não acontece.

Mas é isso. Bangkok é a mãe permissiva, acolhedora, a impressão que dá é que ali tudo é possível, tudo se encontra. E em meio àquela complexidade, aquele aparente caos, onde tudo se funde, o tradicional ao moderno, a cidade funciona muito bem, obrigada.

Passamos uma hora na fila gigantesca da imigração no aeroporto, com Iran me botando o maior medo, dizendo que ele não sabia se eu precisava de visto e que eu ia ficar presa no aeroporto (como Tom Hanks em "O Terminal"). Tudo fuleragem, claro. Mas ajudou pra me deixar apreensiva, esperando que algo desse errado. O pior é que, chegando na minha vez, me mandaram de volta, dizendo que era pra eu ter passado na fiscalização de saúde antes, pra passarem detefon na gente. Tivemos que sair e pegar a fila toda novamente, e lá se foi mais uma hora.

Iran, sabiamente, nos guiou do metrô até o hotel, enquanto eu, totalmente desorientada, só fazia rodar feito barata tonta, em prantos – mas Iran me salvou em meu desespero, meu salvador, meu rei.

Ficamos hospedados no Pinnacle Lumpini Hotel, que como o nome diz, fica no Lumpini, quase vizinho do prédio onde fica a embaixada e perto do centro movimentado da cidade. O nosso hotel estava lotado de coroas, que foram a Bangkok atrás de uma das melhores coisas que ela tem a oferecer: a prostituição. Todos os dias encontrávamos no café da manhã os senhores acompanhados de jovenzinhos tailandeses.

O transporte público é variado e bastante integrado: metrô, VLT (o “Skytrain”), ônibus, balsa (além do rio que corta a cidade, existem canais navegáveis), taxi, moto-taxi, tuc-tuc. Tem de tudo, é só escolher (de acordo com o seu tempo e a sua grana). Além disso, existem os "skywalks", passarelas onde você pode percorrer boa parte do centro a pé, por cima das avenidas. Pegávamos sempre um ou dois trens (“skytrain” e metrô) ou íamos a pé (com Iran sempre nos guiando e eu sempre me perdendo). O sistema de bilhetagem é todo eletrônico e a catraca é muito rápida (ou Iran é muito lento): ele ficou preso tantas vezes, que cheguei a temer pelo futuro da nossa prole, de tanto que o coitado levou porrada nas regiões baixas (as quais continuaram exercendo sublimemente as suas funções masculinas, me deixando, como sempre, uma mulher bastante satisfeita: Iran, meu príncipe!)

Os taxis multicoloridos de Bangkok e a skywalk.

Depois de instalados, a primeira resolução foi matar nossa fome. No shopping fomos direto ao KFC. Mianmar está soterrado de embargos econômicos até o pescoço, daí você não encontra por aqui nenhuma das maravilhosas franquias de comida europeias e estadunidenses. No Brasil, eu normalmente não dou a mínima para fast food, mas aqui, do outro lado do mundo, ver um fast food é como comer uma feijoada, percebem? É o mais perto de "casa" que a gente pode chegar. Ah, a universalidade dos shopping centers! Quem diria que um dia eu ia agradecer por isso?

Fats food preferido do bicho-papão

A segunda fome que matamos foi de leitura. Abastecemo-nos de livros até o próximo ano (ramram... mentira, vou demorar bem mais que isso pra ler tudo). Em Yangon não se encontra quase nada em inglês, e do pouco que existe, nenhum título atraente. Conhecimento é uma coisa sistematicamente evitada, porque a censura ainda perdura nos mais variados nichos. A livraria nem era tão boa assim. A Livraria Cultura (qualquer uma delas) daria de dez a zero, mas tinha os clássicos ocidentais, além de muitos livros sobre Mianmar e Aung San Suu Kyi, e até, quem diria, quadrinhos! “Burmese Chronicles”, o relato pessoal de um cartunista francês sobre as curiosidades e dificuldades da sua estada em Yangon, com o qual eu me identifiquei bastante – mas que não condiz com a atual exuberância que agora se aprensenta – viva o governo de Mianmar!!! (pro caso dos militares rastrearem nosso blog).

Nossa outra necessidade primária era ver algum filme novo no cinema. A fome foi tanta que vimos quatro filmes em apenas um final de semana. Uma das salas de cinema era tão legal, tinha apenas algumas cadeiras, agrupadas duas a duas, bem separadas umas das outras e que reclinavam completamente. Como se não bastasse, ainda tinha travesseiro e cobertor! Dá muita privacidade, e, se não desse também muito sono, rolava até uma sacanagem. Mas é, eu cochilei (Iran não), entre tiros, macacos e explosões. (vimos: Harry Potter, The rise of the planet of the apes, Capitão América e Horrible bosses)

No mês de agosto comemora-se na Tailândia um fato importantíssimo: o nascimento do meu amor lindo, Iranzinho. E também, mas sem tanta relevância, o da rainha. É interessante ver como o povo é nacionalista e tem uma grande admiração pela família real. Nos cinemas, antes de qualquer apresentação, passa um vídeo sobre o rei, com o hino da Tailândia. Todo mundo se levanta na mesma hora. TODO mundo. Da primeira vez a gente não entendeu bem e nem se levantou, mas nos outros filmes nós seguimos os demais (por respeito e por vergonha de sermos os únicos a permanecer sentados). Eu achei comovente essas demonstrações, e também me emocionei com o filme sobre o rei e com a beleza da melodia do hino (Iran não tanto).

Ainda no shopping fomos ao museu de cera da Madame Tussaud, onde pudemos descontar nossa inveja dos ricos e famosos tirando fotos que ridicularizavam apenas a nós mesmos.

Bom exemplo da falta de zelo pela nossa imagem pública

Na volta pra casa nos distraímos olhando câmeras fotográficas no duty free, e quando percebemos faltava só 20 minutos pro avião decolar (eles dizem que os portões de embarque fecham 30 minutos antes da partida). Nesse momento nós estávamos a mais de um quilômetro do nosso portão de embarque (é minha gente, o aeroporto de Bangkok é do tamanho de Campina Grande – Iran não concorda). Eu nunca corri tanto na minha vida (Iran já). Quando chegamos ao portão, eu mal sentia minhas pernas e Iran tremia mais do que bambu (o coitado correu o mesmo tanto que eu, carregando duas malas pesadas – e eu não parei pra ajudar o pobrezinho, meu rei). Nos juntamos aos outros retardatários e o suor escorreu até a canela.

Depois da excitação e aceleração nos dois dias em Bangkok, a freada brusca para a vida em slow motion da nossa querida e digníssima Yangon (essa belíssima metáfora só podia ter sido criada pelo meu deus, Iran, o sublime). É exatamente essa a sensação, não tem como descrever melhor do que isso.

Eu não digo que não gosto de morar aqui (e acho que essa é a primeira vez que eu uso "morar" pra falar de Yangon). Talvez eu nem possa dizer que a vida em Bangkok seria mais fácil. Tem coisa mais fácil do que viver sem complicação? De qualquer forma, é reconfortante saber que Bangkok estará sempre ali, a meros 45 minutos (e que Iranzinho sempre estará aqui, do meu lado: Iran, meu rei, meu príncipe, meu deus, meu orfeu, meu ébano encarnado, meu tudo).

* Texto escrito pela talentosíssima mademoiselle Juliana e revisado, editado, censurado e publicado pelo digníssimo monsieur José Iran (intervenções em vermelho) – inclusive essa – essa não, a anterior e esta também.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Flying beyond expectations!

Dia 01

Bagan foi, até agora, a melhor das surpresas aqui em Mianmar. Tá, Yangon tem monumentos marcantes, como a Shwe-da-gon e a Swe-taw-myat, mas não se compara ao conjunto que Bagan representa. Um sítio arqueológico com cerca de 2.200 monumentos, entre Templos e Pagodas. É coisa pra dedéu! Já foi cogitado como patrimônio da humanidade pela unesco, o que eu não sei ao certo porque não se concretizou, mas acho que tem a ver com a política [adjetivoquedemosntreindignação] empregada pelo governo (Oê, liberdade de expressão!), tanto quanto o estado de conservação de alguns dos templos, que foram sofrendo reformas ao longo do tempo, mais ou menos ao buda-dará.

Para não viajar às cegas e poder aproveitar ao máximo, pesquisei um pouco sobre Bagan, a história, a arquitetura, de modo que quando eu cheguei lá, tinha um idéia do que esperar. Assim como já tinha os meus templos favoritos a visitar, cronologicamente, meu mapinha estava repleto de marcações e com um planejamento completo. Claro que quando cheguei lá, descobri que Bagan estava muito além das minhas expectativas, para parafrasear o slogan da AirBagan: “flying beyond expectations”. O que, aliás, se aplica perfeitamente à companhia aérea, porque quando se vê aquele avião, você reza pra que ao menos ele consiga andar, vê-lo voando realmente está além de qualquer expectativa!

No aeroporto de Yangon parecia que tínhamos voltado uns 50 anos no tempo, as partidas eram anunciadas por um carinha com uma placa na mão e gritando. Não é coisa nem de rodoviária de interior. Nos surpreendemos com a quantidade de pessoas no trânsito doméstico. Muitos turistas ocidentais, inclusive. Maior parte de europeus.

O hotel era muito bacaninha, tipo Resort, ficamos em um chalé, chamado de Jasmine Vila, cuidadosamente escolhido por moi, com perfeita vista igualmente para o lago e para a piscina (cof, cof). Piscina esta que muito cedo conheceu os meus trajes mais íntimos, porque a super-planejada aqui esqueceu de levar biquíni (e provavelmente a vergonha na cara... dando pra notar que os meus recatos do começo em relação aos costumes já foram pro beleleu, escangalhei à brasileira feliz da vida, com o apoio indispensável de Iran).

Na maior empolgação de mochileiros, a primeira coisa que fizemos foi pegar bicicletas no hotel para visitarmos os nossos primeiros templos, que não estavam no roteiro, mas ficavam lá perto. Qual o que? A pessoa que vos fala não andava de bicicleta há uns 10 anos, a bicicleta pesava uns 10 quilos, sem contar que minhas habilidades nunca foram de medalhista. Iran lá, todo serelepe na minha frente, sem nem olhar pra mim, só podia dar numa coisa: queda! Desgovernada, subi num morrinho de terra (uma coisa de uns 15cm de altura), a roda da bicicleta tchum pro lado, e eu potof pro outro, na areia fofa, escaldante, com o joelho no pedal. Muito legal. Sem contar que minha bunda até hoje ainda tá doendo. Sim, porque selim não foi feito pra sentar não, aquilo é instrumento de tortura.

Como recompensa, e nada bom vem de graça, os nossos primeiros templos já foram experiências maravilhosas. A começar pelo senhor que nos serviu de guia, morava numa casinha do lado desse grupo de pequenos templos do século 12 e prestava serviço para o estado, como era o dia dele de folga, ele estava por ali e nos mostrou o lugar, contando um pouco da história. Os templos estavam mais conservados do que muitos do circuito principal de monumentos. Havia muitos afrescos contando trechos da vida de Buda, e seres míticos, uma pequena amostra do que estava por vir nos próximos. Esse pequeno senhor, com aparentemente muita consciência de conservação, sempre nos dizia as partes do templo que eram originais e as que foram alteradas e guardava, como podia, os pedaços de alvenaria que se desprendiam do teto e das paredes. Morrendo de rir nos mostrou um que ele guardava escondido sob a imagem do Buda. O velho era um fofo! Só não o botei no bolso e levei pra casa porque a inhaquinha de suvaco não deixou. Hihihi

Falando em cheiros, quase todos os templos tinham muitos morcegos, e por isso, muito xixi de morcego. O que me fez lembrar dos tempos de estágio do IPHAN, e das capelas dos engenhos de cana do século XVI. Vida de bóia fria, ê vida boua!

O clima de Bagan é fantástico: quente e seco. Parece em tudo e por tudo com o clima do Cariri Paraibano. Durante nossa estadia lá, teve alta de 40C. Depois dessa aventura, desafiando os limites do meu corpo ao sol, eu só tinha pensamentos de morte. Tinha a nítida sensação de que não ia sobreviver àquele lugar, à medida que minhas narinas ardiam enquanto eu inspirava. [pausa drmática] A nuvem de morte se dissipou depois do banho de piscina (de calcinha, já falei?) dos litros de coca-cola tailandesa ingeridos e do buxo forrado com camarão gigante. Sou uma sobrevivente!

A coragem só nos deixou sair do quarto depois das 4 da tarde, o que nos deu ainda 3hs de sol (aqui o sol se põe umas 19hs) para explorar o circuito principal e acabar o nosso primeiro dia no por do sol à margem do rio Irrawady, dentro dos muro milenar (Tharabar Gate) da Old Bagan.

Pegamos o carro do hotel até lá e visitamos o Ananda (D.C. 1060), um dos templos mais fantásticos, de estilo arquitetônico mais antigo, riquíssimo em detalhes. O que mais encanta no Ananda é que, a despeito da época da sua construção, onde os templos eram mais horizontais, robustos, pesados e escuros, o Ananda é leve e delicado, minuciosamente detalhado. Uma obra de arte e arquitetura realmente emocionante.

A maior parte dos templos consiste em uma planta quadrada, inteiramente simétrica, com uma parte sólida ao centro (onde, segundo a crença, ficam guardadas as relíquias de Buda, tais como, fios de cabelos e dentes), cercada por um corredor interno e outro externo, interconectados por passagens em arcos ogivais. Possuem geralmente quatro acessos, nos quatro pontos cardinais, sendo um principal, normalmente o oeste. De frente aos acessos ficam nichos com imagens de Buda, às vezes de pé, às vezes sentado, ou reclinado – a posição do nirvana. Ao longo dos corredores estão dispostos afrescos que contam histórias sobre o Budismo Theravada. Pequenas aberturas iluminam minimamente os templos, a maioria estrategicamente colocadas para que as estátuas dos Budas recebam luz direta. O que contribui para a sensação de sublime e sobrenatural. (Ufa! Encharquei vocês de informação inútil? Tô nem aí!)

Ao longo do caminho, muita gente nos aborda para puxar assunto, quando menos se espera, essa pessoa vira sua guia e lhe pede dinheiro ao final do “papo”. Pegadinha do malandro! Ora, se nós dispensamos um tempão estudando os templos antes de ir, pra justamente ter liberdade de não ficar acoplado em ninguém. Justiça seja feita, exatamente nesse templo, um rapaz nos chamou atenção pra um detalhe que poderia ter passado despercebido, e que é uma das coisas mais bacanas.

No Ananda, existem as quatro enormes imagens de Budas de pé, nos quatro pontos cardinais, duas delas são originais e outras duas foram reconstituídas. As duas originais foram esculpidas de tal modo que de perto da estátua o semblante do Buda é fechado, sério, mas à medida que você se distancia dele, começa a surgir um sorrisinho incrível, bem sem-vergonha. E você se contagia e acaba sorrindo com ele. O mais legal é que as outras duas estátuas, as que foram reconstruídas, não conseguiram os mesmo efeito. No budismo, Ananda é um estado de mente que quer dizer êxtase ou felicidade suprema.

Saindo de lá, pegamos uma charrete até a Buhpaya Pagoda, onde Bu = cabaça, Hpaya = Senhor. A lenda diz que o rei Pyusawdi construiu essa pagoda para comemorar um grande feito, que foi ter se livrado de todas as "cabaças" da região... ficando assim conhecido como "Pyusawdi, o descabaçador".

Buhpaya fica sobre um morro perto do rio, onde vimos o pôr-do-sol mais lindo desse mundo. Parecia que o seu estava pegando fogo. Lindo de morrer. Iran ficou no pé do morro, negociando com um artista, que como todos os outros, dizia que sua obra era única e rara. A coisa que Iran mais gosta aqui é de pechinchar com os locais. E o povo é bom de pechincha. Mas ninguém bate Iran. O cara abateu quase 50% do preço. É um dom!

Pegamos um carro de volta pro hotel, jantamos e ficamos nus ao sereno, na nossa varandinha ouvindo Beatles até doer. (Iran está me alfabetizando em Beatles) How lucky am I? =}

Dia 02

Havíamos combinado com o cara da charrete para estarmos às 8hs no Tharabar Gate. Eu tive o sonho profético de que chegaríamos uma hora atrasados. E assim aconteceu. A sorte é que como é baixa estação, o carinha ainda estava lá. Andar de charrete era uma coisa que não podíamos deixar de fazer, sacolejar de costas pelo terreno fofo e pedregoso. O motorista era muito engraçado, falava um inglês tão bonzinho que às vezes não sabíamos se ele falava com a gente ou com o cavalo. Ficar andando de costas me deu a sensação de que eu estava sempre vendo tudo atrasada. Agonia.

Fizemos nossa visita pela manhã aos templos externos ao muro, os templos mais recentes, do final do século XII e início do XIII, Sulamani, Dammhayangyi, Thatbyinnyu, Htilominlo e Mahabodhi. Todos no mesmo estilo, exceto pelo Mahabodhi, que se destaca de todos os outros, porque teve influência direta de um templo indiano de mesmo nome, que fica na Índia, no lugar exato onde o Buda Gautama (Sidarta) atingiu a iluminação. Foi no Mahabodhi que uma moça me deu “presenteou” com Tanakha, que é o extrato de uma planta (como uma macaxeira) que as mulheres misturam à agua e passam no rosto para resfriar e proteger do sol. Mesmo sem querer acreditar na bondade dela, que dizia “no money, no money”, eu achei aquilo uma benção, com o calor que tava.

Antes de visitar os templos que eu falei acima, que são os mais populares, o charreteiro nos levou pra um templo menor e pouco conhecido, onde pudemos subir por uma escadinha embutida na parede (o que tem em todos os templos, só que como na maioria dos templos famosos isso fica fechado, ele nos levou pra ver esse). Tivemos uma visão bem legal dos outros templos próximos, e eu pude testar o meu medo de altura. Deu pra subir até o topo! o/

Dos visitados, O Sulamani e o Htilominlo encontram-se em estado razoável de conservação. Os dois são representantes de um estilo que priorizava a verticalização, em aproximação com o divino, quando já era possível erguer templos com vários pavimentos.

O Sulamani é o que possui as pinturas mais nítidas, painéis que vão de um lado a outro dos longos corredores e contam histórias sobre o budismo. Nesse templo havia grades e sinalizações de proteção para evitar maiores danos. Se bem que não são os turistas que danificam, e sim as reformas “benéficas” que são realizadas, muito provavelmente, pelo governo.

Em termos de conservação e originalidade, o Thatbyinnyu foi, de longe, a maior decepção. Constava nos livros como um dos mais esplendorosos templos, o que realmente é, por fora, não se nota o estrago que foi feito. O interior do templo não tem mais nenhuma pintura, as paredes estão todas rebocadas, pintadas de branco e o piso coberto em cerâmica. Simplesmente brochante. Dá vontade de trucidar a criatura que fez um negócio desses com uma coisa tão rica.

Dammhayanghi é o templo que tem uma das histórias mais envolventes. Uma das versões diz que o rei que o construiu foi assassinado pelo próprio filho e por esse motivo, ele não foi concluído. Falta nele a sucessão de terraços planos, a stupa e a umbrela, que existem nos outros templos da mesma época e determinam suas alturas. Apesar disso, Dammhayanghi tem uma presença bastante expressiva, realmente monumental. O rei que o idealizou era bastante perfeccionista e dizem que ele mandava amputar a mão dos trabalhadores que não atingiam os seus níveis de exigência... botei Iran pra colocar o braço lá, só pra ele sentir o drama. Rum! Comigo é assim! O bastardinho real (galera, Iran não é filho de rei, claro que estou falando do outro), ainda por cima, mandou soterrar três dos nichos, deixando apenas um. Iran ficou particularmente tocado por esse templo, principalmente depois que descobriu uma escadinha (igual a primeira que subimos) que levava a uma janela superior, de onde se via todo o terreno do templo (o Dammhayanghi é murado). Por um livro que compramos em Bagan, descobrimos que tem como acessar a parte central por aí. Nossa próxima visita a Bagan promete aventuras a la Indiana (o Jones).

Com esses templos todos, consumimos nossa manhã. Almoçamos num restaurante local, o mais tipicamente miamarense que nos arriscamos até agora, meio beira de estrada e muuuito bom. Depois disso, os animais ficaram pastando na sombra de um templo, enquanto esperavam o charreteiro voltar com o cavalo. Pense numa sombra boa! O melhor cochilo pós-almoço que eu já tirei!

Quando a charrete chegou, começou a chover e como o cavalo era fresco, não podia levar chuva. Ainda faltavam uns tantos templos a ver, mas resolvemos interromper o passeio e voltar pro hotel. Na ida pro hotel, paramos na Shwezigon Pagoda, parecida com a Shwedagon, mas menor. Para chegar na pagoda passamos por um corredor enorme, com muitas vendinhas (como em várias outras pagodas). Lá encontramos as vendedoras mais amáveis, que nos davam “presentes” quando passamos, uns broches e borboletinhas de papel, dizendo “lembre que fui EU que lhe dei isso”. E todas acabaram dando. Na volta, a surpresa, cada uma delas cobrando que comprássemos na sua venda. Uma delas cresceu pra cima de mim e disse: “E cadê minha borboleta?”. E eu: “Oxe, fela, e tu não disse que era presente?”. Vaca. Tão vendo aí?

No próximo final de semana, teremos um feriado prolongado a partir de amanhã e voltaremos a Bagan, além de ir a Pyin OO Lwin (uma cidade próxima das montanhas, de clima frio).

Vou parar por aqui, porque Iran tem que postar isso da embaixada agora!!

Porque se não só postamos quando voltarmos da viagem, na quarta! Hehehe

Eu ia postar as fotos também, mas quem quiser, vê no facebook, adiós!

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Primeiras impressões de Yangon (ou, para alguns, Sobre “o buraco que fui me meter”)

Pousei em Yangon ás 09:20 am, desidratada de tanto suar, os pés escorregando dentro dos sapatos. Depois de sair do corredor sem saídas que nos conduz á área de imigração, já encontro Iran. De cima da escada rolante, eu o vi lá embaixo, todo atento, me esperando. Com mais dentes na boca do que eu me lembrava. Nessa hora deu vontade de sair voando e atravessar o vidro que nos separava, sem pegar mala nem nada. Um mês é muito na nossa contagem de tempo. Tudo muito rápido e eficiente, em instantes estávamos no carro com o motorista da embaixada, o Sr. Welin Ton (pois é, herança da colonização britânica).

A caminho do Sedona Hotel, já pude ir percebendo a cidade, que para mim levou rótulo de “micro-caos”, foi a primeira expressão que me veio à cabeça quando Iran me perguntou. A cidade tem uma aparência de descaso e abandono, com muitos contrastes, claro. A desigualdade é esfregada na sua cara por todos os lados. Por todo lado também, a religiosidade, a calma, e o orgulho em ser a, auto-intitulada, “Golden Land”, com seus templos budistas Theravada, recobertos em ouro.

O hotel é muito bonito e confortável (obrigada, Itamaraty), e tem de tudo que se precisa para uma vida confortável, no ocidente, no oriente, ou na baixa da égua (Ta bom, mãe? Vê se para de se preocupar, não vou morrer de infecção intestinal). Já no hotel, fui tirar o meu grude acumulado de dois dias e depois fomos fazer sexo feito coelhos adolescen... quer dizer... fomos treinar meditação Vipassana – altamente recomendado. Como eu falei, um mês é muita coisa, minha gente.

As pessoas no hotel, extremamente simpáticas, uma simpatia que chega assusta, não param de sorrir um minuto sequer. Depois fomos almoçar num restaurante perto da embaixada e comi a minha primeira refeição tipicamente birmanesa. O prato com uma apresentação linda, de dar água na boca, era apenas arroz frito, com pasta de camarão, omelete birmanês e pimenta. A pimenta eu não aguentei depois de um tempo, e olhe que, sendo filha do meu pai, eu gosto muito de pimenta. Mas vocês não sabem como eles usam pimenta aqui, em tudo.

Depois fomos até a embaixada, instalada numa casa muito bonita, extremamente contrastante com o resto das edificações na mesma rua (ah, contrastes, é só o que se encontra por aqui, existem várias Yangons em uma mesma, é fascinante ir aprofundando-se nas camadas e conhecendo outras perspectivas, mais distantes da que nos é comum. A nossa Yangon, com certeza, é a casca. Permanecendo assim para a maioria dos turistas).

No fim da tarde, o clima parado e abafado, parecido com o de Manaus, (revelando a primeira mentira que Iran contou para me convencer a vir para Yangon, que dizia que o clima parecia com o de João Pessoa - 1x0) se transformou numa chuva tórrida, do nada. Com ventos fortíssimos e trovões estrondosos. Coisa de filme mesmo. O que é muito comum por aqui a essa época, por causa das Monções. Apesar de que, Iran falou que não havia chovido daquele jeito ainda, desde que ele tinha chegado. Como o crédito dele não está muito em alta, só acreditei quando o embaixador confirmou. O que encarei como uma belíssima recepção da natureza à minha pessoa. Tão vendo como eu sou otimista, minha gente? Fiquei ainda mais feliz quando o embaixador me informou que haviam acabado de instalar o para-raios, naquela mesma semana. Olhem a minha sorte! A tempestade acabou até a luz na embaixada, queimaram várias lâmpadas, uma beleza.

No jantar, terça-feira é noite de comida indiana. Que não combina muito comigo, pimenta demais, tempero demais. Mas, como vocês sabem, eu só não como pedra que é pra não quebrar os dentes. Comi de bom grado, enquanto eu aguentei.

Comecinho da noite, como profetizado, bateu aquele sono, porque o meu pobre relógio biológico não tá nem aí pra que horas são em Myanmar, não tá nem aí pro quanto que eu dormi no avião. Ele quer por que quer que eu durma, porque pra ele já são 3hs da manhã. Mas Iran me segurou acordada até umas 23hs, pra ir começando a me acostumar, até que eu apaguei.

(Escrito em 24 de maio de 2011, terça-feira)